Sobre o projeto

Este trabalho foi inspirado na carta de apresentação do plano de criação da vila operária de Ipatinga, escrita pelo arquiteto responsável pelo planejamento da estrutura urbana da cidade, Raphael Hardy Filho. As pesquisas e imagens criadas tiveram como objetivo a documentação imagética do atual momento da estrutura urbana planejada na década de 1960 para acolher os colaboradores da Usiminas. O projeto foi aprovado pela Lei Aldir Blanc, nos termos da Lei Federal 14.017/2020.

Carta transcrita

O plano que ora se apresenta à apreciação da Diretoria da USIMINAS se destina, fundamentalmente, a permitir que seus empregados, em Ipatinga, possam adquirir sua casa própria.

Ele é o resultado de uma filosofia que já estava delineada desde os primórdios da fundação da empresa e contida na própria dinâmica de sua constituição – sendo a USIMINAS uma empresa industrial ela o é, também, um organismo de profundas implicações no campo da contextura social e econômica do Brasil e, portanto, não poderia encarar, para sempre o problema habitacional e as questões atinentes à sua cidade operária, sob um prisma paternalístico, caritativo ou assistencial.

Já em 1958, quando se tratava dos estudos preliminares para a implantação dos núcleos residenciais de Ipatinga, a tônica de nossas considerações na memória justificativa do pré-plano era no sentido de marcar bem a necessidade de se fazer uma “cidade não segregada”, isto é, uma cidade em que a iniciativa privada, seus usuários e seus habitantes tivessem a plena certeza de que aquela cidade fosse uma cidade aberta, uma cidade própria à vida em comunidade, uma cidade feita para seus moradores, uma cidade criada também por seus habitantes, e não um feudo empresarial como ocorre, em geral, nas cidades ligadas estreitamente às grandes indústrias.

É evidente que não poderá a USIMINAS, em toda plenitude, se cercar de tantas garantias quantas necessárias para preservar seus trabalhadores, suas propriedades e seu patrimônio contra todos e quaisquer riscos.

Assim sendo, o plano que ora se apresenta procurou, o mais possível, dar à USIMINAS um “poder de opção”, um sistema regulamentar e uma codificação de métodos e processos que lhe permitam, também, um certo controle sobre áreas e sobre usos dessas áreas.

Não estamos, necessariamente, criando condições conflitantes – nossa cidade operária será um grande condomínio horizontal do qual o grande síndico será o organismo apropriado da empresa, o seu Departamento de Habitação e Urbanismo.

Não estamos, também, inovando. Exemplos já existem, no Brasil, de como podem funcionar – e funcionam – comunidades desse gênero. Os grandes bairros lançados pela City em São Paulo (Jardim América, Morumbí, Seto dos Pinheiros, Perdizes, etc.), a cidade balneária de Cabo Frio projetada pelos arquitetos M. M. Roberto, o Retiro das Pedras e o Morro do Chapéu, aqui, em Belo Horizonte.

Além dessas considerações é importante que se tenha em mente que a USIMINAS não é uma empresa imobiliária e nem, tampouco, uma sociedade beneficente – ela é, sim, uma organização industrial destinada à produção de bens econômicos.

Deverá, ela, portanto, deixar (o mais possível, porém sem deixar de encarar o aspecto social que lhe é imanente), à iniciativa privada, aos moradores de sua cidade operária, aos comerciantes, aos bancos e às indústrias de outras finalidades que não a sua, os encargos e, em contrapartida, os benefícios de se autoproverem, em termos de habitação, de locais de trabalho, de áreas de recreação, de espaços para expansão.

Nosso plano não tira da USIMINAS o direito e a obrigação naturais de zelar pela boa ordenação da cidade em que moram seus milhares de empregados; não subtrai de sua influência, lógica e necessária, o resguardo da vida comunitária ordeira e trabalhadora, não a torna indiferente na participação do progresso da cidade e nem impedirá que a USIMINAS encare, com realismo, os aspectos assistenciais e sociais do complexo urbano que ela própria criou.

No entanto, esse plano permitirá uma integração de todos os partícipes na via comunal, sem discriminações, sem favores, sem imposições e sem solicitações descabidas.

A lei 4.380 de 21 de agosto de 1964 proporciona condições que facilitam a aquisição da casa própria a grande número de brasileiros e o sistema financeiro por ela criado pode proporcionar os fundos necessários.

A USIMINAS tem um grande “déficit” habitacional e não tem recursos que possam sanar esse “déficit”.

As fontes tradicionais de aprovisionamento de recursos para fins habitacionais às quais a USIMINAS tem recorrido, estão fechadas.

Resta-nos, portanto, recorrer a outras: Banco Nacional da Habitação, autofinanciamento, fundo rotativo de habitação, poupança prévia, etc.

Assim sendo, e seguindo instruções e orientação do prof. Ademar de Carvalho Barbosa, é que propomos o presente plano que é, na realidade, um trabalho de equipe, num esforço efetivo, dirigido por nosso Diretor de Relações Industriais.

Para a formulação desse plano, contamos com a inestimável e constante colaboração do Sr. Waldemar Brasil Rodrigues de Souza, Assessor do Diretor de Relações Industriais, que se incumbiu de partes realmente fundamentais do plano: as relativas aos aspectos administrativos, de normas e ordenações relativas aos processos operacionais.

Devemos ressaltar também a cooperação que sempre tivemos do Dr. Gil Guatimosim Jr., Vice-Diretor da Usina.

Agradecemos as sugestões e as colaborações dos funcionários da USIMINAS: João Cláudio Teixeira de Salles, Aldir Chaves, Giovanni Chiea, Pedro Cendon, Irimá da Silveira, Oséas Ferreira Cardoso, Leatrice Maria de Souza, Maria Lúcia Aguiar, Danilo Viana Santos, Léo Gonçalves Ferreira, Hélcio Piancastelli e, em geral, de todos os componentes da extinta OEG.

Não poderíamos deixar de citar o apoio e a orientação que nos foram dados pelo Dr. Luiz Verano, pois não fora, também, seu arrojo, sua compreensão e sua sensibilidade não existiria motivação para esse plano.

Finalmente, devemos deixar aqui consignado a nossa homenagem e o nosso preito de saudade ao Dr. Márcio Cunha de quem são grande parte das ideias e iniciativas com respeito à cidade operária da USIMINAS em Ipatinga.

Belo Horizonte, maio de 1965

Raphael Hardy Filho/Arquiteto

Carta original

Referências

A partir dos anos 1930, começa a se popularizar uma ideologia de modernização no Brasil, propondo novas concepções sobre o espaço urbano. Impulsionados por esta nova perspectiva de desenvolvimento e pela Lei Geográfica do Estado Novo, de 1938, os municípios começam a criar seus próprios mapas, delimitando seu território, num período marcado pela cultura de urbanização e a criação de novas cidades.

Com a influência do movimento modernista e da cultura desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, o crescimento acelerado dos anos 50 viabilizou o investimento no planejamento urbano e na indústria nacional. Tudo isso dependia do aço, e a riqueza mineral das terras aliada a uma estrada de ferro levou à criação das Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – USIMINAS no Distrito de Ipatinga, uma pequena vila de 300 habitantes e 60 casas, sem qualquer estrutura de água, esgoto ou energia.

Em meio a insatisfações com a administração do Distrito, conflitos trabalhistas e intensas transformações urbanas, Ipatinga é promovida a cidade, num processo que durou de 1962 a 1964. Nesse período, a USIMINAS já começava suas atividades e enfrentava três grandes problemas: a falta de mão de obra, a escassez de moradia para abrigar os trabalhadores que já estavam em atividade e o crescimento rápido e insustentável da cidade ao seu redor.

No ano de 1965, é elaborado o primeiro projeto de infraestrutura para acolher a vila-operária da cidade, integrando os bairros Castelo (06), Cariru (07), Vila Ipanema (05), Horto (02), Santa Mônica (02), Bom Retiro (10), Areal (10), Imbaúbas (10), Novo Cruzeiro (04) e Ideal (03)Bela Vista (09), Águas (08) no território de Ipatinga, e Candangolândia e Maringá (01) (atual Amaro Lanari), na região de Coronel Fabriciano.

Ficha técnica

Direção: Pedro Bastos
Assistente de direção: Ariel Bertola
Pesquisa e redação: Ana Luisa Ramos
Trilha sonora: AGsoundtrax
Produção: Wenderson Godoi e Luciano Botelho
Logística: Octávio Bastos

Agradecimentos: Familiares e Amigos

2021